A dura realidade de discriminação e exclusão enfrentada pelas agricultoras familiares em Moçambique, país da África, impressionou os participantes do seminário regional Melhoramento das Estatísticas Agropecuárias para Igualdade de Gênero, ocorrido na manhã desta segunda-feira (12), na cidade gaúcha de Caxias do Sul, durante a XVIII edição da Reunião Especializada sobre Agricultura Familiar no Mercosul (Reaf Mercosul). A abertura oficial do evento será quarta-feira (14), com a presença dos ministros brasileiros do Desenvolvimento Agrário (MDA), Pepe Vargas, e das Relações Exteriores (MRE), Antonio Patriota.
O clima do debate esquentou, principalmente, quando o moçambicano Augusto Mafigo, integrante da União Nacional de Camponeses (Unac), contou que, quando um agricultor familiar morre no país africano, a terra em que vivia com mulher e filhos automaticamente passa para o controle da família do marido. A mulher, agora viúva, perde o controle sobre a terra, sua produção e eventuais políticas públicas a que tinha acesso.
A questão de gênero ganhou, então, àquele momento, mais motivos para discussão entre os participantes do evento que começou no último domingo (11) e termina na quarta-feira (14), com a participação de delegações e autoridades dos governos que compõem o bloco sul-americano, como Brasil, Argentina e Uruguai, além de Venezuela (membro pleno), Chile (membro associado) e dos países convidados, como Cuba e Equador. E, também, de delegações de Moçambique, Angola e Guiné-Bissau, que integram a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).
“Temos muitas informações sobre a questão de gênero, mas é preciso sensibilizar as comunidades rurais, para que conheçam os seus direitos. Enfrentamos muitos problemas em relação à agricultura familiar, não só em Moçambique, mas em muitos outros países africanos. Queremos incluir a mulher na questão da propriedade da terra”, contou Augusto Mafigo.
Propriedade
A questão da propriedade e a tomada de decisões na utilização dos recursos e na exploração da terra, aliás, foram os pontos centrais do seminário cujo objetivo era o de utilizar melhor estatísticas agropecuárias para fortalecer a ideia de igualdade de gênero na propriedade rural. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), o agricultor familiar é a pessoa civil ou jurídica que toma as principais decisões na propriedade rural sobre a utilização de recursos e que, também, exerce o controle da administração na exploração da terra. Ou seja, é, quase sempre, o chefe do lugar.
“As estatísticas agropecuárias são importantes para que a mulher agricultora tenha igual acesso aos recursos e à informação, para que não seja discriminada e seja tão produtiva quanto o agricultor. E, também, para que alcance maior empoderamento, com autonomia econômica e capacidade de gerar recursos próprios e decidir sobre seus usos, além de aumentar seu poder de negociação”, afirmou Carmen Diana Derre, professora de Estudos Latino-americanos e Economia de Alimentos e Recursos, da Universidade da Flórida (EUA) e que abriu o evento.
Segundo Carmen, na maioria dos censos agropecuários na América Latina não se pergunta quem é o dono ou a dona da terra, mas quem é o “agricultor principal”. A pergunta, invariavelmente, encontra um agricultor do sexo masculino como resposta. Ou seja, de acordo com a pesquisadora, haveria a tendência de privilegiar apenas o homem como proprietário.
No Brasil, diz a pesquisadora, eles seriam 87,3% dos proprietários de terra na agricultura familiar. Na Argentina, por exemplo, o número é um pouco menor, 81,8%. E, no Panamá, 70,07%. “É preciso saber quem são os donos ativos da terra e como a propriedade se relaciona com a tomada de decisões agropecuárias e o bem-estar das famílias rurais”, apontou Carmen Diana Deere.
No Brasil, diz a pesquisadora, eles seriam 87,3% dos proprietários de terra na agricultura familiar. Na Argentina, por exemplo, o número é um pouco menor, 81,8%. E, no Panamá, 70,07%. “É preciso saber quem são os donos ativos da terra e como a propriedade se relaciona com a tomada de decisões agropecuárias e o bem-estar das famílias rurais”, apontou Carmen Diana Deere.
Números
Os números, ao mesmo tempo em que mostram a dificuldade das mulheres em serem reconhecidas como mantenedoras da propriedade, explicam a importância do sexo feminino na lavoura. Verônica Boero, oficial de Estatística Regional da FAO, fala que as mulheres representam 43% da força de trabalho agrícola nos países em desenvolvimento e 20% na América Latina. E que, mesmo assim, em quase todos os países analisados têm menos participação na tomada de decisões e enfrentam limitações no acesso às políticas públicas, mercados e serviços.
Os números, ao mesmo tempo em que mostram a dificuldade das mulheres em serem reconhecidas como mantenedoras da propriedade, explicam a importância do sexo feminino na lavoura. Verônica Boero, oficial de Estatística Regional da FAO, fala que as mulheres representam 43% da força de trabalho agrícola nos países em desenvolvimento e 20% na América Latina. E que, mesmo assim, em quase todos os países analisados têm menos participação na tomada de decisões e enfrentam limitações no acesso às políticas públicas, mercados e serviços.
No sentido de melhorar essa realidade, a FAO tem algumas ações em matéria de gênero e estatísticas, como procurar garantir a adoção de uma definição apropriada das pessoas economicamente ativas na propriedade rural, assegurar a identificação de todos os responsáveis pela área e definir que os censos agropecuários não devam ser tão extensos, mas fazer uma seleção das informações que realmente interessam. “Os censos agropecuários devem ser os mais inclusivos possíveis, como ter dados sobre o lugar, o produtor e o trabalho familiar e é por isso que este debate é importante”, ressaltou Verônica Boero.
Novo censo agropecuário
O seminário é realizado no momento em que se discute a retomada de discussão dos censos agropecuários na região e quando se começa a planejar o censo agropecuário brasileiro de 2015 (os dados mais recentes são de 2006). “É uma preocupação relevante saber quem são os donos e as donas dos bens. Ao identificar quem são os donos, quem toma as decisões, nós podemos determinar quem são os verdadeiros responsáveis pela propriedade e definir melhor o acesso às políticas públicas”, salientou Karla Hora, titular da Diretoria de Políticas para Mulheres Rurais do Ministério do Desenvolvimento Agrário (DPMR/MDA).
O seminário é realizado no momento em que se discute a retomada de discussão dos censos agropecuários na região e quando se começa a planejar o censo agropecuário brasileiro de 2015 (os dados mais recentes são de 2006). “É uma preocupação relevante saber quem são os donos e as donas dos bens. Ao identificar quem são os donos, quem toma as decisões, nós podemos determinar quem são os verdadeiros responsáveis pela propriedade e definir melhor o acesso às políticas públicas”, salientou Karla Hora, titular da Diretoria de Políticas para Mulheres Rurais do Ministério do Desenvolvimento Agrário (DPMR/MDA).
Na DPMR, conta Karla, há várias interfaces com as questões debatidas no seminário, como mudança na forma de cadastramento de famílias beneficiadas na reforma agrária, com a mulher sendo cadastrada e aparecendo como proprietária, o que passou a beneficiar as chefes de família. “Em todos os formulários de registros da agricultura familiar, na Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP), por exemplo, a mulher está no primeiro campo, como proprietária. E na instituição da Consolidação da Agricultura Familiar (CAF) também há esse registro”, analisou Karla Hora. “Por isso, as estatísticas e o censo bem definidos são importantes.”
Algo que, durante o seminário regional Melhoramento das Estatísticas Agropecuárias para Igualdade de Gênero, na Reaf Mercosul, foi reconhecido por dezenas de pessoas de vários países do continente e da África, como o moçambicano Augusto Mafigo. O consenso foi o de que tais unidades devem, em boa parte do seu processo cotidiano, muito à participação da mulher na lavoura, na comercialização e no progresso da propriedade.
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