terça-feira, 3 de dezembro de 2013

O PAPEL DA ORGANIZAÇÃO SOCIAL E AMBIENTAL NOS ASSENTAMENTOS RURAIS

               O presente artigo tem o objetivo de dissertar sobre a importância da organização social e ambiental nos assentamentos rurais. Sua relação com o homem e o espaço; as definições de organização social com enfoque na agricultura, e os principais problemas ambientais serão alguns dos temas analisados.
        Ao longo da sua existência, o homem passou a desenvolver atividades econômicas sem a devida preocupação ambiental - o importante era gerar recursos financeiros.  Nos últimos anos, a preocupação com o meio ambiente passou a fazer parte de discussões em todo o mundo, pois os impactos causados pelo homem vêm tomando proporções irreparáveis. O grande desafio da humanidade, assim, passou a ser conciliar as atividades econômicas com a preservação ambiental. A convivência harmônica entre elas vem sendo considerada essencial para a sobrevivência humana.
            Os assentamentos rurais representam uma possibilidade de melhoria nas condições de vida de agricultores que, ao longo de décadas no Brasil, sofreram com os processos de exclusão no campo e demais injustiças sociais. Com o acesso à terra, surgem novas unidades de produção agrícolas e a oportunidade da manutenção, com dignidade,  dos estilos de vida desses agricultores.
            A preocupação com os modos de produção e o meio ambiente também fazem parte da realidade dos assentamentos. A busca por um equilíbrio entre o aumento da produtividade e a redução dos impactos à natureza pode ser alcançada por meio de estratégias de trabalho em conjunto e da organização dos processos produtivos.
            Assim, o presente artigo tem o objetivo de dissertar sobre a importância da organização social e ambiental nos assentamentos rurais. Sua relação entre o homem e o espaço; as definições de organização social com enfoque na agricultura, e os principais problemas ambientais serão alguns dos temas analisados.

Assentamentos rurais
            O espaço é um sistema formado pelo relacionamento entre o homem e a natureza. Os processos de produção econômica são frutos dessa relação, na medida em que a natureza oferece matérias-primas e o homem, utilizando do seu trabalho, transforma essa matéria em objetos úteis que facilitam suas atividades.
            Os projetos de assentamentos são modificações no espaço, a partir de um novo relacionamento entre homem e a natureza, de acordo com o modo de ocupação diferenciada dos espaços rurais. Os assentamentos consolidam a luta pela terra, uma vez que são implantados em terras ociosos ou improdutivas, modificando a realidade territorial e sua paisagem, com a criação de casas, cercas, plantações e os equipamentos coletivos, escolas, creches e posto de saúde, entre outros.
            A conquista dos assentamentos representa algo para além da simples concessão de terras. Os assentamentos rurais representam uma oportunidade para a reprodução de modos de vida e de produção de agricultores.

Organização social
            Organização social pode ser entendida como uma atividade em conjunto na busca de alcançar interesses em comum. A origem dos assentamentos rurais é um exemplo de organização social. Agricultores sem terra se organizam em busca de um objetivo comum: o acesso à terra.
            A grande maioria dos assentamentos rurais no Brasil é subdividida por lotes individuais. Essa lógica de estruturação cria certo isolamento entre as famílias, ficando cada uma delas vinculada apenas às atividades produtivas referentes a seus lotes. A falta de articulação entre os assentados é um dos entraves para soluções de problemas, como ausência de casas, falta energia elétrica e de água, entre outros. O trabalho organizado e em conjunto pode atuar como facilitador de soluções para esses problemas.
De toda forma, o processo de organização social e econômica das famílias assentadas deve partir da identificação de interesses e oportunidades demandadas pelas próprias famílias,possibilitando à comunidade, dentro de um processo de reflexão, cunhar o destino daquele novo espaço.
Desta forma, é de extrema importância oferecer suporte organizacional para famílias que se encontram em fase inicial do processo de implantação dos assentamentos. É necessário oferecer condições para o desenvolvimento dos diferentes grupos de interesses pré-identificados, bem como apoiar, caso seja da vontade das famílias, a formalização de associações e cooperativas.
As ações voltadas para o desenvolvimento do associativismo e cooperativismo são elementos necessários para a construção de formas articuladas, no que tange à organização da cadeia produtiva das famílias  assentadas. Nessa perspectiva, acredita-se que seja importante mobilizar ou iniciar um processo de capacitação vinculado aos princípios teóricos do cooperativismo e do associativismo, valorizando o processo de comercialização de produtos agrícolas - dentre outros produzidos no projeto - e a relação entre produção e meios de comercialização, considerando ainda as questões ambientais.
            A organização coletiva deve ser trabalhada como princípio e meio para uma melhor convivência social, além de ser um importante facilitador na viabilidade social e econômica nos projetos de reforma agrária. Nesse sentido, a constituição da associação faz-se necessária até mesmo para facilitar o processo de negociação juntos a órgãos, como o Incra, tendo em vista toda a infraestrutura que deverá ser construída na área.
            Nesse sentido, a ação cooperativa e associativa envolve primeiramente a mobilização e a organização das pessoas para agirem coletivamente. Estas mobilização e organização requerem, primeiramente, a formação das pessoas como cooperadas. Vale ressaltar que a formação de cooperadores e a sua organização numa associação é um processo educativo que se dá muitas vezes de forma  lenta.
O que é uma associação?
            A associação é uma sociedade civil, sem fins lucrativos, na qual vários indivíduos se organizam de forma democrática em defesa dos seus interesses.
 O que é uma cooperativa?
A cooperativa é uma associação de pessoas que se unem  voluntariamente, baseada em valores de ajuda mútua, solidariedade, democracia e participação  para satisfazer as necessidades econômicas, sociais e culturais comuns dos seus membros.

PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO DA ASSOCIAÇÃO EM ASSENTAMENTOS DE REFORMA AGRÁRIA
Procedimentos iniciais¹
            A criação de uma organização começa da iniciativa de um grupo de pessoas que resolve associar-se para determinado propósito. No caso dos assentamentos, a constituição da associação faz-se necessária até mesmo para facilitar o processo de negociação com os públicos, tendo em vista toda a infraestrutura que deverá ser construída na área.
Para criar e formalizar a associação,  é necessário:
  • Elaborar de forma participativa junto às famílias reassentadas o texto do estatuto social da associação e do regimento 
  • Realizar uma assembleia geral de constituição, para que as famílias reassentadas possam decidir as características da organização e aprovar o texto do estatuto social e regimento 
  • Registrar a associação do reassentamento no Cartório de Registro de Títulos e Documentos da sede da associação.
  • Regularizar os registros fiscais, trabalhistas e locais da organização.
  • Realizar assembleia para aprovação do estatuto social e das principais características da organização
  •  Eleger os seus dirigentes (segundo a estrutura de gestão estabelecida no estatuto), os quais deverão tomar posse de seus cargos mediante assinatura de documento próprio (chamado termo de posse). O Termo de posse em assembleia deverá ser assinado por todos os presentes e submetido para registro em cartório.
A importância de se criar as associações e as cooperativas de forma que envolva todos os assentados é que as famílias podem participar de forma mais consciente nas decisões que envolvam o projeto de assentamento. Além disso, essas organizações são de grande importância na comercialização da produção das famílias, que, conjuntamente, podem conseguir um retorno maior da venda de seus produtos.
Impactos ambientais nos processos produtivos
De forma geral, as atividades agrícolas realizadas por pequenos produtores caracterizam-se pelo baixo uso de tecnologias e insumos, ocasionando baixas produtividades. Por sua vez, para aumentar a produtividade, os recursos naturais, ao longo dos anos, vêm sendo cada vez mais explorados sem a devida precaução, gerando graves impactos ambientais, tais como: desmatamentos, degradação dos solos; assoreamento de rios, riachos e lagoas; diminuição e poluição dos recursos hídricos, entre outros - todos gerados pelo manejo inadequado utilizado por alguns produtores.
Os desmatamentos para implantação das atividades agropastoris causam a destruição dos ecossistemas naturais. São comuns os desmatamentos em áreas proibidas, sejam áreas de nascentes, de encostas, mata ciliar, topos de morro, etc. Vários são os casos de nascentes que secam, de rios que deixam de correr ou têm sua vazão diminuída devido aos desmatamentos irregulares.
O uso intensivo das queimadas para implantação das roças provoca enfraquecimento dos solos e contribui para a emissão de gases do efeito estufa, além de algumas vezes infringir a legislação ambiental vigente no país. As baixas produtividades incentivam os produtores ao aumento da área utilizada, gerando novos desmatamentos sobre a vegetação nativa, assim, destroem e/ou reduzem o número de várias espécies da fauna e da flora.
Vale salientar o assoreamento de fontes d’água causado pela erosão dos solos. Estima-se que, a cada ano, seis milhões de hectares tornam-se improdutivos em decorrência da degradação do solo. No Brasil, foram calculadas em 822,7 milhões de toneladas de solo erodido (IBAMA, 2002).
O processo erosivo provoca a degradação dos solos, principalmente da sua camada superficial, que é mais fértil, aumentando, assim, a necessidade da utilização de adubos químicos, que pode vir a poluir os lençóis freáticos. Segundo Almeida (2006), a contaminação por agroquímicos é uma constante nas propriedades agrícolas e produzem impactos sobre a saúde humana, poluindo as águas, o solo e o ar, prejudicando a flora e fauna.
O controle da erosão do solo deve ser feito visando à conservação ambiental e o aumento da produtividade das pastagens e culturas. Segundo Panachuki et al. (2003), o sucesso de uma exploração agropecuária equilibrada depende, em grande parte, da investigação e controle dos aspectos referentes aos agentes causadores da erosão, como as chuvas e certos atributos do solo que, pela ação antrópica, podem favorecer ou dificultar o processo erosivo, já que as atividades humanas se constituem como principais agentes catalisadores desses processos. 
As queimadas fazem parte do processo rudimentar para a formação de novas áreas a serem cultivadas. O fogo é utilizado para limpeza e preparo do terreno e para controlar o desenvolvimento de plantas invasoras, no caso de pastagens.
Geralmente, as queimadas são realizadas no final da estação seca, exatamente quando a vegetação está mais vulnerável ao fogo. Com isso, as cinzas produzidas podem funcionar como fertilizantes, mas na realidade produzem grande impacto, pois os micro-organismos existentes no solo podem não suportar o aumento da temperatura. A sua morte pode empobrecer o solo, tornando-o improdutivo.
Esse procedimento traz ainda consequências no clima e no ciclo das águas. Os pastos e as lavouras absorvem menos energia solar do que a vegetação original e podem contribuir para uma redução de chuvas e aumento de temperatura da região, conforme revela Nepstad et al. (1999).
O mais comentado de todos os impactos causados pelas queimadas é a emissão de gases do efeito estufa, principalmente do gás carbônico. Segundo Marcio dos Santos Pedreira e Odo Primavesi et al, (2008) quando é decomposta em condições de presença de oxigênio, a matéria seca vegetal libera energia, gás carbônico, minerais e água, na proporção média de dois quilogramas de gás carbônico para cada quilograma de matéria seca.
A pecuária, em especial, contribui para a emissão de gases que intensificam o efeito estufa, principalmente o metano. Segundo o relatório da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) As Repercussões do Gado no Meio Ambiente,  emitido no final de novembro de 2006, a criação de animais é mais danosa ao clima do que os automóveis. Esse setor de criação de animais tem uma geração de gases de efeito estufa da ordem de 18%, uma porcentagem maior do que a dos transportes.
O gás metano é o segundo gás mais influente no efeito estufa e tem um potencial de aquecimento vinte vezes maior que o dióxido de carbono. Sua permanência na atmosfera está estimada em torno de dez anos.
O metano é produzido pelos bovinos por meio do seu processo de digestão. Segundo cientistas da Universidade de Nebraska (EUA), sua emissão pelos ruminantes bovinos pode contribuir com quase 20% do total liberado na atmosfera. Já a FAO alerta que a criação de animais contribui com 37% de todas as emissões de metano de origem antrópica.
Merece destaque também a degradação das pastagens, uma vez que sua recuperação exige a realização de adubação do solo ou foliar, e esta geralmente é feita utilizando adubos químicos que causam impactos à natureza. De acordo com Macedo; Kichel; Zimmer (2000), a degradação das pastagens:
É um processo evolutivo de perda de vigor e produtividade forrageira, sem possibilidade de recuperação natural, que afeta a produção e o desempenho animal e culmina com a degradação do solo e dos recursos naturais em função dos manejos inadequados.
A produção do esterco também traz problemas ambientais. No relatório da FAO de 2006, afirma-se que 65% do óxido nitroso gerado pelas ações humanas provêm, em sua grande maioria, do esterco.
Conforme o relatório do Ministério da Ciência e Tecnologia, em 1994, as emissões de óxido nitroso por animais em pastagem foram de 218 Gg, ou seja, 0,218 milhões de toneladas e, desta quantia, 39% (ou 0,184 milhões de toneladas)  foram emitidos pelo gado bovino de corte e leiteiro.
O óxido nitroso é um dos gases que influenciam no efeito estufa. Ele tem como uma das suas características a maior permanência na atmosfera, podendo chegar a 150 anos e a um poder aquecedor 296 vezes maior que o gás carbônico.
            As atividades agropecuárias são responsáveis pelas maiores modificações causadas ao meio ambiente, que, quando realizadas de forma inadequada, causam impactos ambientais quase irreversíveis. De acordo com Oldeman (1994) apud Araújo; Almeida; Guerras (2005), por volta de 1990, práticas agrícolas inadequadas contribuíram para a degradação de 562 milhões de hectares, aproximadamente 36% dos 1,5 bilhão de hectare agricultável do mundo.
Na visão do Direito Ambiental, Custódio (1993) nos traz o conceito de dano ambiental:
O conceito de dano ambiental, decorrente de poluição ambiental pelo uso nocivo da propriedade e por condutas ou atividades lesivas ao meio ambiente, compreende todas as lesões ou ameaças de lesões prejudiciais à propriedade (privada ou pública) e ao patrimônio ambiental, com todos os recursos naturais ou culturais integrantes, degradados, descaracterizados ou destruídos, individualmente ou em conjunto.
      Seguindo uma abordagem distinta, a noção de meio ambiente de Branco & O’Neil (1993) pode ser entendida como o palco das relações entre o homem e a natureza, no curso do processo produtivo. A dinâmica do desenvolvimento das forças produtivas e da relação de produção provocará conflitos sociais e impactos ambientais, determinados na apropriação da natureza pela sociedade.
Considerações finais
            A luta pela terra atua como transformadora da realidade agrária brasileira. Como principal resultado dessa luta, os assentamentos rurais significam a reivindicação de uma demanda histórica da sociedade brasileira. A implantação e desenvolvimento de assentamentos representam um processo dinâmico na produção de novos agentes e novas formas com as quais esses agentes se relacionam com o espaço, na busca de melhorar suas condições de vida.
Faz-se necessário despertar a população do campo envolvida nas atividades agropecuárias para as questões ambientais, buscando conscientizá-las. Juntos com extensionistas locais, ela deve buscar formas para que a atividade e a exploração dos recursos naturais sejam geridas de forma menos impactante, além de alternativas que possibilitem a recuperação das áreas já degradadas. É preciso que o aumento da produtividade se dê de forma menos impactante, com o melhor aproveitamento das áreas já cultivadas e não apenas com o incremento de novas áreas, gerando, assim, mais impactos na natureza.
Outro fator importante às famílias assentadas é o fortalecimento da sua organização social. Nesse sentido, as associações e as cooperativas são de extrema importância já que possibilitam às famílias,  de forma conjunta,  buscar o apoio de entidades e facilitar o escoamento da produção, dentre muitas outras alternativas.
BIBLIOGRAFIA
Formas de garantir água nas secas/ Embrapa Informação Tecnológica; Embrapa Semi-Árido. – Brasilia, DF: Embrapa Informação Tecnológica, 2006. 49p.: Il. – (ABC da Agricultura Familiar, 13).

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